Blog de Alcides Santos

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terça-feira, março 10, 2009

Por isso o poliglota nunca é patriota!

“Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras as deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro”.

Na língua verdadeiramente reside à nacionalidade; e quem for possuído com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afectivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota.Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir.

O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo...

Por outro lado, o esforço contínuo de um homem para exprimir, com genuína e exacta propriedade de construção e de acento, em idiomas estranhos - isto é: o esforço para se confundir com gentes estranhas no que elas têm de essencialmente característico, o Verbo – apaga nele toda a individualidade nativa. Ao fim de anos, esse habilidoso, que chegou a falar absolutamente bem outras línguas além da sua, perdeu toda a originalidade de espírito, porque as suas idéias forçosamente devem ter a natureza incaracteristica e neutra que lhes permita serem indiferentemente adaptadas ás línguas mais opostas em carácter e gênio. Devem, de facto, ser como aqueles corpos de pobre, de que cabem bem na roupa de toda a gente.

Além disso, o propósito de pronunciar com perfeição línguas estrangeiras constitui uma lamentável sabujice para com o estrangeiro. Há aí, diante dele, como o desejo servil de não sermos nós mesmos de nos fundirmos nele, no que ele tem de mais seu, de mais próprio – o Vocábulo, Ora isto é uma abdicação de dignidade nacional.

“Não, minha Senhora! Falemos nobremente mal, patrioticamente mal, as línguas dos outros! ...”

Eça de Queiroz em "A Correspondência de Fradique Mendes"