Blog de Alcides Santos

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segunda-feira, julho 21, 2008

Confesso que chorei

Por Geraldo Batista*
No final do mês passado, num dia de domingo à tardinha, fugindo do programa de Faustão, de Silvio Santos e outras porcarias, assisti numa outra emissora um programa sobre um projeto do governo da Venezuela que tira meninos e meninas da rua para ensinar música. São milhares de crianças atendidas em todo país. Foi aí que percebi que aquele país não tem somente o lado ruim de Hugo Chávez. Quando mostraram um dos ex-meninos de rua saído desse projeto, regendo uma grande orquestra em Nova Iorque, senti vontade de chorar de emoção. Logo em seguida, entrevistaram Beth Parro, coordenadora do Projeto Guri que atende sete mil crianças e adolescentes de todo o Estado de São Paulo, oferecendo aulas de música até a formação de uma orquestra composta unicamente por alunos. Ela explicou que o principal objetivo do Projeto Guri é ensinar música às crianças carentes, dando-lhes uma oportunidade de inserção no meio cultural. O Guri começou em 1995 e hoje conta com 32 pólos na capital e no interior. O objetivo maior do projeto não é o de formar músicos, é tirar crianças da rua. É preencher o tempo ocioso delas e, ao mesmo tempo, trazê-las para o mundo da arte. O Projeto, mantido pelo governo do Estado de São Paulo, compra os instrumentos para uma orquestra completa, às vezes até mais: do violão ao violino. A parte de recursos humanos também fica por conta do Estado, que paga todos os professores. São investidos um milhão de reais por ano. Um dinheiro muito bem empregado, digo eu. Os critérios para uma criança entrar no projeto são dois: O primeiro é que a criança esteja na escola; o segundo é a freqüência, se ela faltar duas vezes seguidas sem justificar, quem estiver aguardando entra na vaga dela. Cada pólo, conta com 45 instrumentos para atender 300 crianças em aulas coletivas, em um sistema de rodízio; como são diversos horários, um mesmo instrumento é usado por várias crianças. Desses grupos, chamados celeiros, escolhem-se os melhores alunos para formar uma orquestra e um coral, composto geralmente por 60 vozes. Quando passam para a orquestra propriamente dita, as crianças têm um ritmo mais puxado. Embora seja um curso totalmente gratuito, o Projeto Guri oferece a mesma qualidade dos grandes conservatórios e por isso há regras a serem cumpridas. A coordenadora explicou que está preparando um pólo com chuveiro, banheiro etc., porque não dá para pegar um menino que estava cheirando cola na rua e simplesmente trazê-lo para cá. Precisamos ficar atentos e verificar se ele quer mesmo freqüentar as aulas de música. Acho, diz ela, que todo menino de rua, todo infrator e todo drogado merecem uma oportunidade na vida, é o direito de todo cidadão. A grande maioria que tem essa oportunidade escolhe o melhor caminho. Há pessoas que acham um absurdo eu querer ensinar música para quem está morrendo de fome. Mas com a música é diferente. O jovem vai ouvir, vai entrar no cérebro dele, no coração. Música é uma terapia. Em seguida, o programa mostrou uma garota tocando violino pelas ruelas de sua favela, falando de sua felicidade de ter saído da rua para aprender a tocar um instrumento e o que é melhor, ter sido selecionada par ir fazer um curso avançado na Áustria. Um jovem apareceu tocando seu instrumento e contando que tinha sido escolhido para ir para a Alemanha, onde já estava aprendendo a fabricar e consertar órgãos. Aí, confesso que chorei. Um choro bom e não as lágrimas que tive que derramar pelo meu país, mais uma vez ultrajado, diante do escândalo de Daniel Dantas e do prende-e-solta através da "rapidez" de uma justiça tradicionalmente morosa. Rendo daqui minhas homenagens ao Juiz Fausto Martins de Sanctis e ao delegado Protógenes Queiroz que saiu do caso por "livre e espontânea vontade" das ordens superiores. O fato me fez lembrar das Memórias de Nikita Kruchov, onde ele narra que inúmeros personagens se suicidaram por ordem do partido.
Geraldo Batista é bacharel e licenciado em História, professor e escritor, Natal, RN
Publicado em 19/07/2008, no CooJornal nº 589.
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